Jup do Bairro

O mês de agosto chega dando boas vindas a mais uma edição da Semana Rainbow da UFJF. Um evento que tem como objetivo discutir pautas voltadas para a comunidade LGBTQIA+, propondo novos debates e abordando temas variados. Dessa vez, devido ao isolamento social, o evento está acontecendo por meio de lives e teleconferências.

Nesse sábado (15) uma das grandes atrações do evento se apresenta no do Festival Multicores em Casa, a artista e ativista Jup do Bairro. No mês de junho Jup lançou seu primeiro trabalho solo, o EP visual “Corpo Sem Juízo, viabilizado por uma campanha de crowdfunding que contou com mais de 700 contribuidores. Sendo um dos nomes fortes da cena indie, a artista possui uma personalidade forte, defendendo seus ideais e sendo resistência na vida e na arte. A equipe da Semana Rainbow entrevistou Jup e você pode conferir esse bate papo na integra por aqui!

Semana Rainbow – Qual é a importância de finalmente ser Jup em todas as instâncias possíveis e ser reconhecida por isso, agora que Jup é seu registro?

Jup do Bairro – O poder de nomear as sempre foi do homem: “casa, “cadeira””, “mochila”, “rádio”, “homem”, “mulher”… E não é diferente com nossos corpos, pelos quais antes mesmo de nascermos já nos é atribuído um gênero a partir de nossa genitália, impossibilitando as mudanças e explorações desses corpos. Pensei muito nisso ao retificar meu nome e gênero perante a Constituição. Eu sei que eu continuaria sofrendo com a padronização compulsória, que esse papel não me traria maior passabilidade, que encontraria as mesmas dificuldades e constrangimentos ao usar um banheiro público. Mas foi a única maneira de nomear o meu território, o meu corpo. Sei que não serei lida enquanto signo feminino pela ótica patriarcal e conservadora, mas hoje sou a Jup perante uma Constituição que assegura a garantia de que ao menos serei enterrada com o nome e gênero que me identifiquei em vida.

Sua carreira solo está decolando, mas na vida e na arte, você costuma apostar em parcerias importantes. Qual é o significado, para você, dessas parcerias tão sólidas? ( não só profissionalmente, mas na vida, na militância…)

Eu sou uma artista inquieta e que acredita muito na construção coletiva. “Uma andorinha só não faz verão” faz muito sentido pra mim, mas prefiro transformá-la em “não acredito em um exército de uma soldada só” pois estamos vivendo uma guerra cultural, exploração de espaço, disputando lugares e narrativas, por isso, olho atentamente quem está ao meu redor buscando maneiras de me aliar com corpos famintos de uma outra forma. Acredito no atrito de ideias que possam tornar outras, reconhecendo as contradições a tornando potências. Não acredito em representação una e tampouco tenho acreditado no hackeamento. Precisamos criar novas formas de comercialização, produção e consumo.

 

Você diz que é um corpo que morreu várias vezes. Como a essas mortes e vidas te transformam?

Existem inúmeros tipos de mortes; algumas delas que melhor consegui identificar são mortes físicas e mortes existências. As dores de ser uma pessoa que nasce sem existência e morre como se nunca tivesse existido… Muitos tipos de mortes persistem na teoria existencialista, ou não, assim como seus homicidas; o que amola a faca e o que enfia a faca. Também há mortes de quem já fomos e o nascimento de quem estamos nos tornando. A partir de informações e novas concepções, nos é concedida a oportunidade de mudança, de não sermos quem éramos e buscarmos a evolução enquanto indivíduo e sociedade. Eu já não sou a mesma de quando comecei a compor, com 13 anos. Hoje tenho outras urgências, outras necessidades. Hoje já sou outra pessoa, e que bom.

Como foi o processo de criação para seu último EP, que vem sendo celebrado? Quais são os planos agora para este trabalho?

“CORPO SEM JUÍZO” é um trabalho muito íntimo onde eu mexo em feridas ainda frescas, causo um autodesconforto mas devolvo de maneira necessária para o público. Por isso é um EP biográfico, mas não só, pois devolvo a responsabilidade se sentirem comigo aquelas palavras. Há composições e decomposições de mais de 10 anos mas também canções que escrevi durante a execução. O gênero musical também é fluido, onde investigo minhas referências e também memórias afetivas. Ouvi desde Rage Agaist the Machine até Banda Magníficos, Slipknot, Bjork, Sampa Crew, Cartola, Mc Drika e por aí vai.

Agora estou compartilhando o visual desse EP de forma fragmentada porém contínua. Compartilhando também o processo criativo que tive com minha equipe (Izabela Costa, Bia Bem, Felipa Damasco e Thiago Felix) que foram fundamentais pra criação e feitura desse trabalho junto comigo. É muito importante dividir as informações de uma criação independente, com recursos capitalizamos através de um financiamento com o público que acompanha o meu trabalho para se criar imaginário para novos corpos e possibilidades artísticas. Não quero ser a única, muito menos a última.

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Vamos brincar com o nome das faixas do seu disco? Vamos, lá, na ordem:

– Qual é sua maior TRANSGRESSÃO?

Foi ver meu corpo fora do juízo judaico cristão que auxilia no que se chama de realidade, julgando quais os corpos merecem ou não viver, ter dignidade, florescer. Abrir mão de ser uma lagarta em busca de asas e voar.

-O que pode, afinal, um corpo sem juízo?

Disse Espinosa: “Ainda não sabemos o que pode um corpo.” E constato isso pois, quanto mais busco exclamações, mais interrogações me surgem.

– Do que o Brasil precisa, PELO AMOR DE DEIZE?

Precisamos falar sobre saúde mental, precisamos falar sobre a população preta, sobre a população T, sobre sexo, sobre economia periférica, sobre ser e não necessariamente estar. Precisamos falar sem culpa.

– ALL YOU NEED IS LOVE, mas mais o que é preciso fazer pelos corpos sem juízo?

Tenho muito amor pra dar, mesmo sem saber o que é amar. Pelo menos não pela lógica desse amor que escolhe, segrega, exclui e não pode ser vivido em plenitude de forma horizontal por todos os corpos. O desejo não é uma característica biológica, o desejo é construído. Sendo assim, precisamos destruí-lo para reconstruí-lo.

– qual é seu CORRE?

O meu corre é me entender nesse plano, o mínimo e o máximo que eu puder, nessa contradição mesmo. Entender maneiras de fazer a barriga parar de roncar, buscar formas de inventar um lugar que me caiba e aprender a pensar no futuro como um extensão do presente e que meu corpo é digno disso. A população preta e T ainda não consegue pensar em futuro pois ainda pensamos na sobrevivência. Viver não pode ser isso.

– LUTA POR MIM. Quem compra sua luta?

Sou eu quem compro e financio em parcelinhas de 48x e com juros. Mas tenho encontrado pessoas que endossam esse pagamento, que me fortalecem. Elas estão comigo e chegam até mim.

– Qual a importância de eventos como a Semana Rainbow, que é pensado e executado por uma universidade federal e aberto a toda população?

Estamos em um momento muito complicado para toda a sociedade, em especifico para a cena artística independente onde não temos previsão nenhuma de quando voltaremos a trabalhar. Ao fim do isolamento? Eu acho que não. Quando vemos as lives que estão sendo patrocinadas e financiadas por grandes marcas e instituições, enxergamos perfis palatáveis ou que geram grande engajamento sob algoritmos para esses polos. Não existem grandes compromissos com a arte em difundir informações e características de uma sociedade contemporânea além de seus próprios interesses. A Semana Rainbow é um lugar que está colocando esses interesses em discussão e descentralizando essas próprias discussões. Um festival que pensa em diversidade, informação e cultural. “ALL YOU NEED IS Semana Rainbow” e eu estou muito feliz em fazer parte dessa ação.

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